Na última partilha dizia que geralmente nos damos conta de uma situação stressante quando estamos num nível elevado de exaustão física e mental. E assim é porque não respeitámos ou fizemos respeitar os nossos limites, as nossas fronteiras.
Estas não têm propriamente um cartaz a dizer proibido passar em letras maiúsculas, são mais como bolhas invisíveis. Muitas vezes invisíveis até para nós mesmos.
Ao mesmo tempo, é algo que não aprendemos na escola e que nem vem em manuais, então definir as nossas fronteiras e honrar as dos outros pode ser um verdadeiro desafio.
No entanto, porque pode perceber a utilidade de definir regras mais claras com a sua família ou de ser mais assertivo com estranhos, vamos ver como pode definir, comunicar e respeitar os seus limites.
Mesmo que este seja um desafio, proteger o nosso espaço emocional é essencial ao nosso bem-estar, saúde e até mesmo à nossa segurança.
Podemos definir fronteiras (limites) para o nosso espaço pessoal, tempo ou energia, pensamentos ou emoções, sobre a sexualidade, as coisas que possuímos, a cultura, religião e ética.
E os maiores benefícios serão uma melhor auto-estima, maiores níveis de energia emocional e maior independência.
A princípio pode parecer-nos que uma fronteira nos irá manter separados dos outros, mas na verdade pode ajudar a aproximar-nos dos outros.
Se dar demasiado de si ou querer demasiado dos outros desgasta as pessoas e a relação entre elas tendendo ao afastamento, por outro lado, saber até onde podemos ir com os outros e comunicar até onde os outros podem ir promove um relacionamento saudável e aproxima as pessoas entre si.
Claro que estes limites precisam de ser flexíveis. Por vezes é necessário ceder ou, noutras, chegar a um compromisso. No limite, se estas fronteiras forem rígidas ou inexistentes, aí sim, corremos o risco de afastar os outros ou anular a nós mesmos.
Há que encontrar o equilíbrio e reavaliar de tempos a tempos ou de situação para situação se as mantemos ou atualizamos. Há que ouvir a sua voz interior e tornar-se a si mesmo uma prioridade.
As fronteiras permitem-nos evoluir e mostrar a nossa vulnerabilidade, mantendo um perímetro de segurança.
Quando me refiro a mostrar vulnerabilidade, também aqui há um limite. É suposto podermos fazê-lo sem receio da reação dos outros, no entanto a fronteira funciona nos dois sentidos e a partilha não deverá ser excessiva. Quando é excessiva, revela a ausência de um limite saudável.
Vulnerabilidade não é sinónimo de partilha excessiva. Esta pode levar ao drama usado para manipular, manter o outro emocionalmente refém ou forçar o relacionamento a seguir em determinada direção.
Quando a partilha excessiva acontece pontualmente não é necessariamente uma ameaça ao relacionamento. No entanto, quando lá está de forma persistente, não estará a honrar as fronteiras do outro.
Como defini-las?
As fronteiras variam de pessoa para pessoa. Apesar de serem influenciadas pela cultura de onde provém, assim como por aquela em que vive, a região do globo em que se encontra, a sua dinâmica familiar, os seus traços pessoais (introvertido, extrovertido ou assim-assim), as suas experiências de vida…
Tudo isto influencia, mas é a forma única como tudo isto se conjuga em si, que levará a estabelecer em determinado “lugar” a sua zona de conforto.
Assim sendo, para definir as suas fronteiras será necessária uma introspecção,
Os seus direitos
Comece por identificar quais são os direitos universais e portanto, por direito, também seus.
Estes são direitos que todos nós temos.
Uma vez que acredite ter estes direitos, será mais fácil respeitá-los e não gastar energia a tentar ajustar-se às ideias dos outros ou procurar agradar-lhes quando eles não os honram .
O seu instinto
Ouça os seus instintos, pois eles podem ajudar a perceber se um limite seu não estiver a ser respeitado ou se precisar definir um. O seu corpo pode dar-lhe pistas sobre o nível de conforto e aquilo que é tolerável em determinadas circunstâncias, através do batimento cardíaco acelerado, suores, aperto no peito, tensão muscular ou algum nó no estômago.
Pode sentir a sua mão formar um punho quando se apercebe que o seu colega de apartamento levou emprestado o seu casaco novo sem lhe perguntar, ou quando o seu maxilar aperta ao lhe perguntarem, de novo, numa reunião de família, quando pensa constituir família.
Os seus valores
Para além dos seus direitos, procure identificar os seus valores morais e princípios éticos. Identifique aqueles que, quando não respeitados, o fazem sentir-se fortemente mostrando que existem esses limites para si.
Como comunicá-las?
Não é essencial apenas definir as suas fronteiras, mas também comunicá-las porque pode saber muito bem onde se encontram os seus limites e, ainda assim, alguém o fazer sentir-se mal e exausto pela convivência, mesmo sem saber o efeito que tem sobre si.
Somos todos diferentes e temos, naturalmente, limites diferentes. Aquilo que parece ser óbvio para si pode não ser para o outro e ele nem se aperceber do seu limite. Então precisa de o comunicar.
Seja assertivo
Comunique claramente a forma como algo o faz sentir sem que o objetivo seja apontar o dedo ao outro ou fazê-lo sentir-se culpado. Não queira fazê-lo pensar, porque o outro não precisa de mudar como é, apenas a forma como interage consigo nessa questão.
A comunicação assertiva não inclui agressividade, culpabilização ou ameaças. Inclui gentileza, respeito, firmeza, clareza e disponibilidade para negociação.
O objetivo não é identificar culpados e sim resolver problemas.
Como exemplo, em vez de:
Fazes-me sentir triste e irritada porque me tratas mal
Pode dizer:
Quando dizes que ___________ sinto-me triste porque _____________. O que preciso é que ___________________________.
Quando comunica de forma assertiva, os outros sentem a sua confiança ao expressar os seus sentimentos, opiniões e necessidades.
Nem sempre é muito óbvio inicialmente, até porque quanto mais emocional, menos racional estará o seu cérebro.
Um outro Exemplo de comunicação ineficaz:
Estás a tornar estas férias muito cansativas e eu não quero fazer todas as coisas que planeaste!
Uma forma eficaz será algo como:
Sinto-me sobrecarregada quando cada minuto das nossas férias está programado. Aquilo que preciso é de algum tempo para simplesmente relaxar e ir vendo o que acontece e apetece fazer.
Aprenda a dizer não
Por vezes a assertividade não é necessária à definição de fronteiras, mas algum nível de tolerância pessoal ao desconforto é.
Pode ser assustador dizer não e hesitar fazê-lo sem dar mais alguma informação. No entanto, “não” é uma frase completa em si. Não precisa de dar uma explicação, oferecer uma desculpa ou se empenhar emocionalmente com a pessoa a quem está a dizê-lo.
Salvaguarde o seu espaço
Mas também pode manter o seu espaço físico, emocional, os seus pertences, o seu tempo e energia dentro dos limites que definiu, sem precisar de os comunicar verbalmente aos outros.
Quando fecha a porta da sua casa, está a comunicar algo, definindo naturalmente uma fronteira.
Quando coloca uma password no acesso ao seu telemóvel, computador ou uma aplicação está a salvaguardar o seu espaço, comunicando onde está o limite sem palavras a quem possa ter fronteiras diferentes das suas.
Usar funcionalidades digitais ou dispositivos físicos para se manter em modo “não incomodar” é fazê-lo também. Assim como, definir um horário na sua agenda para um tempo para si ou comprometer-se consigo mesmo a não responder a emails do trabalho enviados para o seu e-mail pessoal ou durante as férias.
Quando o telefone toca e não lhe dá jeito atender, porquê fazê-lo e queixar-se de como não foi uma boa hora, quer ao próprio quer depois de desligar? Pode simplesmente não atender e estará a comunicar que não está disponível. Só isso, sem mais.
Tem direito a fazê-lo.
Procure ajuda
Definir e comunicar as suas fronteiras pode ser algo complicado quando o outro é alguém que vive no seu coração e tem uma história pessoal de trauma ou vive com ansiedade, depressão ou doença mental.
Por exemplo, alguém que passou por abusos sexuais pode ter precisar que lhe perguntem antes de ser tocado. Assim como uma pessoa com tendências narcisistas ou de personalidade limite, pode precisar de dizer “não” mais vezes para proteger os seus próprios sentimentos.
Se estiver a ser difícil definir e comunicar os seus limites ou se alguém estiver a causar-lhe dificuldades por não os respeitar consistentemente, não hesite em procurar ajuda com um profissional de saúde mental.
Ter limites ou fronteiras bem definidos não são apenas um sinal de relacionamentos saudáveis na sua vida, são um sinal de respeito por si mesmo. Dê-se permissão para definir fronteiras e preservá-las.
Se é algo em que vai passar a investir, saiba que, como com qualquer outra capacidade, comunicar os seus limites de forma eficaz precisa de treino. Avance em passos pequenos. Comece por um tema que não lhe pareça tão ameaçador e avance a partir daí, um passo de cada vez.
Faça-se respeitar
Imagine que as suas fronteiras estão bem claras para si e que as comunicou com todas as letras e, ainda assim, alguém nas as está a honrar. Precisa de agir para salvaguardar o seu espaço.
Saiba de antemão quais serão as consequências se isso acontecer. Decida sobre o assunto e comunique-as ao outro para que ele possa tomar uma decisão informada. Mais importante ainda, cumpra aquilo que disse.
A consequência pode ser ausentar-se da relação, pode ser desinvestir emocionalmente ou qualquer outra acção específica à situação. Mas precisa de haver uma acção da sua parte ou estará a enviar a mensagem que está tudo bem se os seus limites não forem respeitados.
Lembre-se que as fronteiras de que falamos dizem respeito a honrar as suas necessidades e não a julgar as escolhas dos outros.
No entanto, como referi antes, por vezes não é necessário comunicar essas nossas decisões. Se tomar a decisão de não atender chamadas pessoais durante o horário de trabalho porque este é um limite seu, não precisa de dizer a alguém que insiste em fazê-lo: Se me voltas a ligar durante o horário de trabalho, deixo de te falar.
Pode informar que não irá atender durante o dia de trabalho e simplesmente ignorar essas chamadas nesse horário. Deixe que o seu comportamento fale por si. Até porque tantas vezes vemos alguém dizer uma coisa e fazer outra!
Assim sendo, alinhe o seu comportamento com as suas palavras e comunique as suas necessidades com clareza.